Ontem à noite, a caminho de casa, vimos um gato bravo.
Listado, cauda espessa e anelada, olhos cor de laranja…
Dantes era comum, mas hoje é raro.
Dantes, na aldeia onde vivia, toda a gente cozinhava a lenha, que era apanhada na serra. Havia mesmo quem vendesse lenha miúda própria para os fogões e fizesse disso profissão.
Os pinheiros eram todos sangrados para extracção de resina.
Havia rebanhos que passavam serra acima, serra abaixo.
Havia uma família que passava os dias na serra e que todas as madrugadas exportava duas camionetas de verdura para Lisboa.
Agora moro num parque natural.
É proibido apanhar lenha.
É proibido sangrar os pinheiros.
É proibido criar rebanhos.
É proibido cortar árvores.
Ninguém usa a serra. Os trilhos desapareceram. Apenas alguns estradões (de circulação proibida) são mantidos artificialmente para tentar o combate aos incêndios. A vegetação nasce e morre sem controlo. Os cortes e limpezas estão na mão de alguns lenhadores que se dão bem com o Parque. Nem foram criadas as brigadas de sapadores que existem noutros parques. A limpeza das matas sem qualquer actividade de suporte é altamente dispendiosa e regulamentada de forma a ser possível apenas pelos tais lenhadores especializados. A camada morta chega aos dois metros de altura e é explosiva em termos de perigosidade para incêndios. O sol não chega ao chão e a erva não cresce. Os coelhos não têm de comer.
A última raposa que vi foi há 25 anos.
Os gatos bravos são uma raridade.